Verme Cervejeiro
Quando eu digo a alguém que faço a minha própria cerveja, algumas perguntas comuns aparecem, como:
- Vai fazer para economizar?
- Vai fabricar para vender?
- O que você vai ganhar com isso?
- Comprar cervejas especiais não é mais fácil?
- Não vai dar muito trabalho?
Eu não encaro fazer cerveja em casa (homebrew) como um trabalho ou como uma forma de economizar, mas como hobbie.
Economia
Fazer cerveja em casa sai caro. Fato. Os equipamentos para fazer cervejas com processos minimamente consistentes e repetíveis não são baratos e você ainda precisa percorrer uma via sacra para encontrá-los. Mesmo depois de comprar tudo, não dá para fazer cerveja no apartamento de 75 m² sem tirar a mesa de jantar, o sofá, a TV e a mulher da sala. Você precisa de espaço e qualquer espaço não serve. Além disso, o preço de uma cerveja verdadeiramente artesanal costuma sair mais caro que uma craft beer no growler.
Para manter um processo controlável, o ambiente precisa ser controlado. O objetivo é sempre chegar perto dos padrões industriais. Assim, se o seu espaço for sujo, provavelmente haverá problemas de contaminação. Se o local for frio, gastará mais gás ou eletricidade para manter o mosto quente. Se for muito quente, o freezer precisará ficar ligado mais tempo para manter a temperatura da fermentação.
A mesma ideia serve para os equipamentos. Itens de alumínio são mais baratos, mas retêm menos calor e têm menor durabilidade que os de inox. Então, se comprar uma panela de alumínio, provavelmente a conta de gás ficará mais alta e você precisará trocar a panela daqui a um, dois anos, dependendo do uso. Engates rápidos são caros e difíceis de achar --de inox, então, nem se fala--, mas sem eles, prepare-se para encaixar mangueiras direto em espigões a toda hora. Considere usar braçadeiras para evitar desconexões repentinas.
Pensa em fazer mais de 10 litros? Esqueça o fogão da sua mãe. Além da panela ser maior, fogões tradicionais não produzem chamas fortes o suficiente para aquecer 20, 40 litros de água rapidamente. Li em algum lugar que o ideal é uma chama que aqueça o líquido em ≈1°C/min. Para conseguir isso, só com um fogareiro ou fogão industrial. Mesmo com um equipamento assim, a distância entre a boca e o fundo da panela pode fazer diferença no consumo de gás.
Invariavelmente, você precisará de um serralheiro e como é difícil achar um bom profissional! Nunca vi alguém falando de um serralheiro que fez tudo como o cliente pediu ou que superou as expectativas. Não se engane: Eu queria muito achar alguém no nível do Men at Arms, mas só achei falta de preparo técnico ou de trato com o cliente. É preciso paciência, descrever bem o serviço e acompanhar de perto para evitar surpresas. O Brasil ainda está engatinhando no homebrewing, se comparado a outros países, como os EUA. Por isso, é muito difícil, como o nobre leitor deve ter percebido, encontrar peças, equipamentos e bons profissionais no mercado. Mesmo quando se encontra, prepare-se para desembolsar uma nota.
Trabalho
Como deu para perceber, não é barato, tampouco fácil, montar um sistema de homebrewing. Agora, multiplique as quantidades por 10, 20, 50 vezes. É difícil achar quem tenha tanta grana para investir ou que consiga financiar uma cervejaria no banco. Um caminho seria conseguir uma linha de crédito no BNDES ou similar, mas também não é fácil. Para quem tiver mais cara de pau, talvez valha a pena tentar um crowdfunding. Kickstarter ou Catarse estão aí para qualquer um usar.
Ah, consegui financiar ou tenho o dinheiro e vou investir! Legal. Agora você vai esbarrar numa das piores coisas do Brasil: O excesso de controle do Estado. Por se tratar de um mercado regulado, será necessário obter, no Ministério da Agricultura, o famoso MAPA, que é uma forma do governo garantir que você fabricará um produto de qualidade, atendendo os requisitos mínimos de higiene. Sem registro no MAPA, não se pode comercializar a cerveja produzida na fábrica, o que obriga muita gente a se tornar fora da lei. Pense bem, pois é um contrasenso: O cara gasta uma grana preta para montar a cervejaria e só pode vender quando o governo der o aval. Só que as contas chegam e como o processo de regulamentação é demorado, se ficar esperando o governo, você pode quebrar antes mesmo de produzir o primeiro litro da sua cerveja. Olha que nem estou considerando a tributação do produto final.
Beleza, sobrevivi com a minha cervejaria e tenho o MAPA. Mãos à obra! Legal. Espero que você saiba manusear todos os equipamentos muito bem, caso a sua cervejaria não seja automatizada. Além disso, provavelmente você precisará fazer um curso regular de Mestre Cervejeiro ou contratar alguém com esse conhecimento. Sem essa de que "eu fiz o curso em um final de semana na cervejaria Bierminen", okay? Estou me referindo a um curso de longa duração, de no mínimo 360 horas, sobre o assunto. Numa cervejaria, as escalas são grandes: 900, 1000 litros de cerveja em uma "brassagem", então o mestre não pode se dar ao luxo de perder a produção inteira. Ele tem de manjar de química e conhecer amiúde o processo, os equipamentos e os insumos usados, para conseguir reverter qualquer situação adversa, além de preservar o sabor e a qualidade da cerveja. Quando o cliente tomar a IPA da Bierminen, ela tem de ter o mesmo sabor ou algo muitíssimo parecido com o que ele experimentou nas mesmas condições há 3 meses.
Fiz um curso de final de semana em uma cervejaria daqui de BH e depois disso é que o meu estudo realmente começou. Li bastante sobre o assunto e desenvolvi o meu próprio método de fazer cerveja baseado em tudo que li --cada pedaço é uma cópia ou adaptação descarada de outro processo. Fiz também um módulo em Python para realizar cálculos matemáticos para homebrewers e uma API para estilos de cerveja. Apesar disso, tenho ciência de que o máximo que fiz foi identificar e repetir o que achei de bom por aí. É por isso que me considero um Verme Cervejeiro e não um Mestre Cervejeiro, mas estou feliz assim. :)
Hobbie
Mesmo como hobbie, homebrewing tem muitas ressalvas. É preciso ser pragmático, metódico, higiênico e geek. Dá trabalho desenhar o processo. Dá trabalho comprar e montar os equipamentos. Dá trabalho adaptar ou criar a receita. Dá trabalho adaptar os insumos. Dá trabalho fazer a cerveja. Dá trabalho acompanhar a fermentação. Dá trabalho engarrafar. Dá trabalho analisar os resultados finais. Dá muito prazer beber. O lance é que você precisa encontrar prazer nesse trabalho todo. Se a felicidade é o caminho, o homebrewer precisa cair na real que ele terá de estudar bastante, terá de praticar, terá de abdicar --de beber no início da brassagem, por exemplo-- e terá de gostar disso. Ele precisa ver tudo como ações essenciais para que as pessoas tenham vontade de beber a sua cerveja. Quando alguém bebe da sua cerveja, faz um elogio e pede mais, isso tem de ser a realização do verme cervejeiro.
Além disso, fazer cerveja é uma excelente desculpa para juntar as pessoas. É ótimo sair do cliché do churrasco e dos almoços sem graça de domingo. O dia da brassagem é um evento especial, porque você tem a oportunidade de juntar quem você gosta para todos trabalharem juntos em um só objetivo: Fazer a melhor cerveja do mundo --ou simplesmente a cerveja do aniversário do tio. Encare a realidade: A maioria das pessoas que gostamos têm interesses diferentes dos nossos e é difícil abrir uma janela de diálogo ou mesmo ter um dia para encontrar. Agora, quando se tem um objetivo tão nobre quanto fazer cerveja e onde a participação de cada um pode ser crucial para o sucesso da empreitada, você já tem as portas abertas para conversar com as pessoas e saber o que se passa com cada um.
Fazer cerveja é o novo "tocar violão"! Quando chego numa rodinha de conversa e digo que faço cerveja, normalmente todos querem saber como faz e pedem garrafas. Costuma ter um que quer aprender e outro que quer te apresentar outro amigo que tem curiosidade. É quase um rockstar; é um beerstar. Como, ao fazer cerveja, você acaba aprendendo sobre a cultura cervejeira, sempre dá para fazer gracinhas, como contar a história da IPA, explicar de onde vem o álcool da breja e falar Reinheitsgebot. :D Outra vantagem é que a cerveja abre as portas para outro mundo, onde você pode querer fazer um tour num lugar só para conhecer as cervejarias de lá: beercation.
Outro motivo é poder fazer a cerveja que quiser e viajar nas misturas. IPA com casca de manga? Dá pra fazer. Brown ale com essência de fumaça? Dá pra fazer. Saison à meia-noite, com o homebrewer pelado, para dar mais refrescância? Dá pra fazer, mas é muito estranho. Você pode fazer (quase) qualquer mistura. Se a cerveja, ou o que quer que seja o nome disso, ficar boa, ótimo! Senão, bebe tudo para aprender e não repetir o erro. Prefiro respeitar a lei de pureza alemã, sou chato. Beleza. Dá para fazer muitas combinações com água, malte, lúpulo e levedura. Além disso, dá para ser mais criativo ainda e dar nomes para essas poções mágicas. O céu é o limite.
Daria para citar mais motivos para fazer e para não fazer cerveja, mas a ideia é essa. Talvez em outro texto eu volte a explorar o assunto. A mensagem que quero deixar é: Se for fazer cerveja --ou qualquer outra coisa--, procure fazer pelos motivos certos. Pode ser que você encontre mais prazer como sommelier ou como bebum de festa mesmo --"manda uma Itaipava trincando de gelada, amigão!". Apenas procure se conhecer e entender onde está entrando, para evitar decepções e desperdiçar dinheiro.
Lembre-se sempre: Se for dirigir, não beba, mas se for beber, me chame para ir com você! Um brinde a todos os vermes cervejeiros do mundo! Suas cervejas são melhores que muitas marcas comerciais! Estejam certos disso!
Prost!